flor da cana do brejo

domingo, 8 de dezembro de 2019

LÁGRIMAS DE NOSSA SENHORA

                                                  LÁGRIMAS DE NOSSA SENHORA

Talvez o que vou contar não seja verdade. Pode ser que sim, ou não. Eu a ouvi de uma avó que escutou de outra, de outra, de outra cujo nome se perdeu nas paredes da casa. Ouço, agora em mim, eu a vivo.
Nunca gostei da casa grande. O pé direito alto, as janelas enormes, os corredores compridos demais para os meus pés pequenos. Gostava da menina a me acompanhar. Ora amiga, ora dedo duro, conforme o próprio interesse. Daí veio o meu gosto por esconder-me embaixo da cama. Pequena, magrinha, impossivel de achar no meio de tantas colchas. Dali eu escapulia para o jardim, descia a escadinha no meio do mato, circundava a antiga senzala e ía ter com vó Rosa, o seu cachimbo, seu jeito de olhar para o lado, vendo em mim a travessura e, lá dentro, gostando. Eu sentava aos seus pés e esperava por Pedro. Só aí ela ía bater o cachimbo no caixote, ajeitar o tronco e chamar a gente de curumim. O que curumim tá fazendo aqui com a velha? Depois vem gente lá da casa falar que eu conto mentira e essa curuminha não dorme.Tossia, batia o pé calejado, puxava a saia rodada, estampada e colorida. 
Eu me divertia com Pedro, as pernas esticadas, a calça branca com um cordão, nem ligando. Às vezes deitava no chão de barro com os braços sob a cabeça.  A velha não tem brinquedo. Você não tem suas bonecas? Eu mostrava. Tinha trazido junto. Ela ajeitava o lenço rendado no cabelo, olhava de novo pra nós e via que não tinha jeito. Enxotar dali: pior. Ficava quieta, sentada no seu tronco, olhando o telhado da casinha. Na casa ninguém mexia com ela. Uns diziam ser benzedeira, outros bruxa, descendente de indio, escrava alforriada, mãe de leite. Vó Rosa era uma historia inventada por cada um. Percebia que tinham medo: Vai que lança uma praga e a plantação se perde. Outras horas respeito: Corre lá e pede uma erva para sarar o menino. Assim ela foi ficando ali. Pela manhã o garoto entragava o leite e um pão. Depois mandavam as sobras do almoço. Ela comia com a mão, fazendo um bolo e enfiando na boca. Ria sem dentes, pegava a bengala e lavava o rosto no latão de água.Tinha uma marca de mordida de cobra na perna e uma cicatriz grande nas costas. Mostrou uma única vez.
Certo dia eu e Pedro entramos esbaforidos, fechando a porta e gritando a cobra, a cobra, a cobra. Ela levantou-se do tronco, abriu a porta e viu a bicha fugindo pro mato. Foi atrás dela. Nossos olhos arregalados espiavam encostando a porta. Logo voltou. Tinha dado um nó na cobra e batia com a cabeça dela no chão. Morre bicho ruim que rasteja onde não deve. Soubemos então da marca da mordida, ainda menina, salva por milagre de um curandeiro que já tinha partido. Sobre a cicatriz nas costas ela nunca contou. 
Vó Rosa nos ensinava cantigas. Eu e Pedro dançávamos. Tum! Tum! Tum! Bateu na porta. Tum! Tum! Tum! Vai ver quem é. É Benedito. É Benedito de Nazaré. Pedro pegava minhas mãos e eu rodava feliz, segurando e balançando o vestido. Lá no mato tem folha, tem rosario de Nossa Senhora. Lá no mato tem folha, tem rosario de Nossa Senhora. Pedro jogava sementes para cima e ríamos tentando pegá-las com as mãos. Vó Rosa batia palmas e marcava o ritmo com o pé. Sorria um riso largo, os olhos negros, o coração em festa. Tem aroeira de Benedito. É Benedito que nos valha nessa hora. Ali, naquele casebre simples, de madeira rústica, vento entrando pelas frestas, aprendi dança de roda. 
Benedito, negrinho, viveu na fazenda de Nazaré. Amigo de vó Rosa, andava pelos matas boas léguas de terra para ter com ela. Juntos cresceram entre as duas fazendas, balançando as folhas das matas, correndo pelos barrancos, inventando historias e cantigas. Algumas escutavam no campo, em meio a colheita. Então acrescentavam aqui, subtraiam ali e davam nó em cipó. Benedito dizia ter visto Nossa Senhora num manto azulado, vestido branco, trazendo um rosario feito de umas sementes chamadas “lágrimas de Nossa Senhora”. Tomaram-no por aluado, menino mentiroso, invencionice para aparecer. Benedito não dava ouvidos. Vó Rosa acreditava nele. Numa de suas peraltices para atravessar as fazendas, esbarrou o olho esquerdo no arame farpado. Vó Rosa não sabe dizer se ficou cego ou não conseguia mais abrir o olho. Verdade: escorria sempre uma lágrima pela tristeza de cada um. Na  roça começaram a dizer que Nossa Senhora tinha fechado o olho dele para que ele a visse com o coração. Benedito cresceu cantando. Quando pensavam  não ver, o olho direito via pelos dois. Um dia Benedito desapareceu na mata. Quem por ela anda ainda escuta suas canções. Melhor fazer o sinal da cruz e rezar uma Ave Maria. Vai que Benedito aparece com Nossa Senhora do lado, o manto azul, o rosario.
Batia novamente o cachimbo. Firmava o pé no chão e matutava outra historia pra contar. A brisa da tarde entrava pelas frestas e Pedro tapava os buracos com barro. Eu sentava as bonecas em fila: plateia que me acompanhava. Olhando para um lado, para o outro, assuntando o barulho da folhas, passos de bichos, piados de pássaros: vó Rosa farejava o ar. Vai chover não. É só arrumação  das plantas e da passarinhada. Daqui a pouco sossega. Larga o barro, curumim, deixa isso pra lá. Dá cá essa boneca, curuminha. Cê fez roupa nova pra ela? Quero um lenço novo também. Fiz que não.A menina que vigia fez. Ela ria de não se aguentar. Vigia quem? Cês dois? Até Benedito com um olho só via melhor que ela. Olhei para Pedro. Pedro olhou para mim. Adivinhávamos o que o outro pensava só no olhar. Um segredo, um gesto, um riso, um  espiar de canto, tudo tinha significado. Nunca combinamos nada. Nasceu assim essa cumplicidade: um dia nossos olhos se cruzaram, o azul do ceu, o verde das árvores. Agora já feito, seguíamos felizes. Vó Rosa olhava para um, virava o olho do Benedito para o outro. Saíamos correndo.
Perto da casa grande as pessoas trabalhavam. Tinha sempre alguém para mandar. Por isso preferíamos contornar o casebre até o rio pedregoso, com pequenas quedas d'água e ficar por lá. A gente entrava no rio de roupa mesmo. A água batia nos joelhos. Vez que subia e molhava a barra do vestido, ou as calças. Nós juntávamos as quatro mãos em conchas e os peixinhos nadavam no pequeno lago improvisado. Bom sentar na areia do rio e ver a minha saia boiando. Pedro achava que parecia nuvem e enfeitava meu vestido com flores. Se a brincadeira cansava, buscávamos uma fruta qualquer. Depois voltávamos com os braços carregados para o casebre. Empurrávamos a porta de leve. Vó Rosa dormia na cama de palha coberta com uma manta muito linda de saco de colheita. Ela mesma que fez. Costurou os sacos, desfiou a barra e fez uns enfeites com os fios dando nós. Assim coberta parecia um bicho peludo. Andávamos na ponta dos pés. Os dedos nos labios. Nenhum sussuro. A respiração suspensa. Quem tá aí!? Ela pulava da cama enrolada na manta, os olhos apertados, caçando a bengala. Encostados  do outro lado, imoveis, esperávamos que  despertasse. Ah, são vocês? Onde foram? Curumim não tem o que fazer não? Mostrávamos as frutas. Ela levantava mancando, pegava uma gamela e arrumava do jeito dela. Deus lhes pague, a velha faz gosto. A gente aliviado via a bengala encostada. Se esta servia de apoio para o avançado da idade, outros fins tinha nas pernas de quem apoquentasse.
A tarde escurecia e tínhamos que voltar à casa grande. Demos um beijo ao mesmo tempo nas faces de vó Rosa. Outro beijo atirado da porta. Pedro agarrou a minha mão e saiu correndo me puxando. Enfiou a mão no bolso da calça e tirou um terço lindo feito de “lágrimas de Nossa Senhora”. Toma, disse estalando um beijo na minha testa. Seus olhos azuis brilhavam e o sorriso mais lindo do mundo refletia nos meus labios. Tirei o laço de fita azul dos cabelos e amarrei nossos dedos. Mãos agarradas, os dedos cruzados, dançando e cantando, nos embrenhamos pelas plantações de milho, de mandioca, de tudo que ali crescia mais rápido do que nós.

“Levantei de madrugada pra varrer a Conceição
Encontrei Nossa Senhora com seu raminho na mão.
Eu pedi ela o raminho. Ela me deu seu cordão.
O cordão era tão grande que do ceu rastava o chão
Ainda dava sete voltas em redor do coração.
Numa ponta tem São Pedro, na outra senhor São João.
No meio tem um letreiro da Virgem de Conceição.” 

(Lúcia Gomes - direitos reservados) 



Foto: Lúcia Gomes
Paraty
               

sábado, 20 de julho de 2019

A QUESTÃO DA TEORIA COMO INSTRUMENTAL DE ANÁLISE PARA COMPREENSÃO DOS FENÔMENOS


A QUESTÃO DA TEORIA COMO INSTRUMENTAL DE ANÁLISE PARA COMPREENSÃO DOS FENÔMENOS


            A teoria deve ter por exercício desenvolver o pensamento, esclarecer o que permaneça duvidoso, apontando caminhos para a indagação dos problemas. Compreender o universo que nos cerca é a maneira de traçar propostas para que o sistema de ideias se auto-alimentem.
            Refletir sobre a Comunicação (Meta Comunicação) permite a comunicação e traz a transformação, transformação necessária, urgente, de mudarmos, antes de tudo, a nós mesmos.
         Qual é esse sistema de idéias que, governando nosso sistema de comunicação, nos aponta este ou aquele caminho? Por que recusamos determinados apelos, quando nos sentimos impulsionados a agir numa tal direção? Por que nossa vida consiste em ordenar o desordenado, em colocar cabresto nesse turbilhão da alma, em buscar saber, distinguir, relacionar, conhecer? Por que esse mesmo sentimento guarda em si a transgressão as normas, a entrega irremediável às paixões, o desinteresse do saber, a confusão, o isolamento, o desconhecimento? Para onde caminham nossas ideias?
            A ideia supera o real. É com ela que, inevitavelmente, convivemos.
          Compreender que a representação tem sido a forma de nos comunicarmos e que só nos conhecemos através de representações, nos leva a crer que tudo o que somos é a materialização de algo espiritual, ou a representação de uma ideia, de um sistema de ideias, de ideias de outros. Sendo assim, se estamos aqui é porque também somos uma representação. Os espíritas diriam que somos a encarnação de um espírito. Os católicos, o corpo material de uma alma. De qualquer forma, a comunicação provou  que é através da representação que nos comunicamos, ou seja, realizamos o processo: referente – representamen – interpretante. Levou dois mil anos para descobrir o que Deus nasceu sabendo. E nossas indagações continuam: somos uma representação (ou representamen). Mas quem somos nós? Temos um referente a quem constantemente remetemos. Mas quem é ele? Não serão eles? Geramos um interpretante: um signo equivalente ou melhor elaborado. Mas como nossos amigos nos vêem? Como pensam que somos? O que desejam de nós?
           Bidus e gurus à parte, somos o que acreditamos ser, pois assim nos vemos. Defendemos nossas ideias porque acreditamos serem estas nós mesmos. É nosso lado animal: instinto de preservação e defesa.
        No entanto, esse discurso de defesa, de nos prendermos a determinadas convicções, nos fecha a idéias novas, nos leva a degradação do sistema que acreditamos. Os elementos exteriores é que tornam possível o enriquecimento do nosso campo de idéias. Todavia é necessário cuidado para que esse campo não seja minado, para que os dados exteriores não destruam o nosso sistema de ideias, para que a abertura a novas informações não se constituam em doutrinações.
            As ideias, que tendem a incorporar-se a nós, fazem parte do que somos e, por vezes, ocupam o lugar do que somos.
      As experiências que vivemos, aquelas que vivemos através dos outros, incorporam-se a nós como fatos de nossas vidas. Estas experiências invocamos como nossas, deixamos que elas se apropriem de nós. Nosso pensamento mistura-se ao de nossos semelhantes, nos aglutinamos por proximidades.Talvez seja essa a legião infindável que habita o cosmos e que permeia nosso estar aqui. O que nos faz estar mais perto de um que de outros? Por que esses nos são mais caros que aqueles? Por que verdadeiros encontros casuais nos colocam ao lado de pessoas que jamais supúnhamos encontrar? O que explica o descaso e o fascínio, o amor e o ódio, a distância e o encontro?
            São nossas idéias o que somos e o que nos falta ser. Os opostos com os quais convivemos: a Bela colhendo flores no Jardim, a Fera se escondendo no Castelo.
            Almas gêmeas, nossas semelhantes, são as idéias parte do que temos dentro de nós: um animal acordado e um anjo dormindo. É certo que devemos acariciar o animal. Também é certo que devemos despertar o anjo. Resta saber a quantas andam nossas doses de carícias e habilidades para despertar. Resta saber se nos preparamos para isso.


             Lúcia da Silva Gomes (direitos reservados - texto escrito aos 34 anos) 




                                                                                                                                        
Foto: Lúcia Gomes
Museu do Açude
















       

           

quarta-feira, 17 de julho de 2019

BEM VINDOS AO FACEBOOK - A ERA DE NARCISO


                                    

                                           BEM VINDOS AO FACEBOOK                                            

                                                    A ERA DE NARCISO 
            
       


         Diante do espelho a mulher puxa cada fio delicado das sobrancelhas. Um a um delineia a curvatura da expressão: lápis, rímel, luzes nas pálpebras. A boca assume um ar delicado de faces ruborizadas. As ondas suaves ondulam para além do gramado. Linda! Pensa consigo mesma. Estica o braço, faz um beicinho sensual e clica: a própria imagem é refletida.
            A exposição durará apenas alguns segundos. Curtidas, ameis, carinhas sorridentes. Ri feliz. Todo espelho agora é mágico a dizer: ninguém é mais bonita que você! As páginas correm rapidamente, diferentes das de um livro. 
          Não há tempo para deter-se a detalhes. Apreciar toda a produção, também não. Algo novo. Algo novo. Repete quase enlouquecida pela paixão. Coloca o celular ao lado.
       Diante do espelho o homem repara nas rugas de anos: sulcos fundos da vida desregrada. Besunta o rosto de espuma e passa o barbeador descartável. Sim: outros tempos. A navalha do bom barbeiro custa caro para o bolso. A boca esboça um sorriso malicioso. As ondas ondulam suaves para além do gramado. Viril! Pensa consigo mesmo. Estica o braço, ri sem mostrar os dentes e clica: a própria imagem é refletida.
            A exposição durará várias fotos postadas imbox. Curtidas, ameis, carinhas sorridentes. Ri sarcástico! Todas se encantarão com a mágica: Bom dia! Lindo! Gato! 
       Não há tempo para deter-se a detalhes. Precisa satisfazer a própria vaidade.Convencer a todas da mentira que inventou para si mesmo e acredita. Precisa de uma mulher qualquer, um homem qualquer, qualquer coisa que afogue o fracasso de anos. Engana a todos e se diverte. Você não perguntou: a resposta está na ponta da língua. Coloca o celular ao lado.
            As águas chamam: vem, vem, vem. Como resistir ao apelo insaciável dos tempos de solidão:relações afetivas descartáveis, amigos virtuais descartáveis, grupos descartáveis, abraços descartáveis? Nem os rios e os mares suportam mais tanto lixo.
            Pela manhã, a toalha xadrez estará sobre a mesa. Café, leite, pão quente, manteiga, queijo, salame, bolo de maçãs com castanhas. O real ali pouco interessa. Tão pouco as mãos delicadas a servir carinhosamente o desjejum. Mães, esposas, avós: espécies em extinção.
            Ao anoitecer, o homem chegará cansado do trabalho. A toalha bordada sobre a mesa. O jantar servido quente. O salário distribuído para as despesas, guardado com cuidado. O real ali pouco interessa. Tão pouco as mãos firmes a entrelaçar carinhosamente o perfume no lençol de linho. Pais, maridos, avôs: espécies em extinção.
            O dedo nervoso esfrega o celular freneticamente. O aparelho tem um orgasmo múltiplo. O esperma, tal qual uma espuma tóxica,polui as nascentes.Do outro lado a mulher passa o batom na vagina.

      
                   (Lúcia Gomes - fragmento de texto)


Foto: Lúcia Gomes
Bairro: Cidade Nova



terça-feira, 16 de julho de 2019

ESTAÇÕES

                                                      ESTAÇÕES


 Quem sou meio a tempestade a jogar borrascas na janela, embaçando os vidros                                                                                     quadriculados e as mesmas flores?

Sou água a diluir-se no riacho do peitoril: mistura de essência de cores.

Quisera voltar à outrora onde minha vida era uma eterna primavera e eu acreditava em                                                                                                                                      verões.                                                                                                    
Hoje o inverno congela meus pés, tropeço no ar e desabo diante da gargalhada                                                                                                                                         alheia.




Foto: Lúcia Gomes

sexta-feira, 5 de abril de 2019

GUIA DE PACOBAÍBA




                                              GUIA DE PACOBAÍBA




GUIA DE PACOPAÍBA

Entrelaçada malha de ferros esculpidos pelas águas.
Estrada de ferro que não parte de lugar nenhum,
Nasce no mar para os viajantes embarcarem
No trem que segue sozinho, o apito ao longe do que foi.

Guia de Pacobaíba é um silêncio só:
Nossos passos escutam o ruído das garças paradas
A espera dos peixes, prata no mar salgado.
Tudo é pausa na música de outrora.

Barcos descansam ao longe, crianças brincam nas margens,
Uns olham, outros dormem, a vida repousa.
Só tua mão é movimento na minha
A guiar o leme dos nossos olhos


(Lúcia Gomes - para João António Vieira - todos os direitos direitos reservados)





Foto: Lúcia Gomes
Guia de Pacobaíba - Inhomirim.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

PRIMAVERA


                                           PRIMAVERA


Estou a procurar-me pela casa, entre as coisas, entre:
a porta entreaberta
é partida sempre

A procurar-me estou
nos versos que rabisco no caderno
dormente mão a afagar folhas
sem forças para descobertas

Coberta estou pelo véu da dúvida
a conduzir passos incertos
caminhos de rastros eu tateio
mesmo sem sentir o que rastreio

Afago as flores pela madrugada
compartilho olhares e perfume
espero o dia acordada em sol:
cores da primavera em minha vida.




Foto: Lúcia Gomes






ABRAÇOS



                                                                 ABRAÇOS



Quando o sono bate assim forte,
noite avançada, madrugada por chegar.
Atiro-me na cama, como em seus braços,
estico-me toda a espreguiçar-me..

Alcanço as asas do meu próprio voo

Depois a cabeça, no travesseiro recostada,
o livro ao lado a esperar por mim.
Dou para pensar na vida,
falando coisas, desejando ouvir.

Cochichos de amor soprados ao ouvido

O livro, com as páginas abertas,
o mesmo parágrafo lido varias vezes,
as letras embaralhando viram traços,
até desfazerem-se num borrão.

Baton espalhado no lençol


Foto: Lúcia Gomes