flor da cana do brejo

sábado, 20 de julho de 2019

A QUESTÃO DA TEORIA COMO INSTRUMENTAL DE ANÁLISE PARA COMPREENSÃO DOS FENÔMENOS


A QUESTÃO DA TEORIA COMO INSTRUMENTAL DE ANÁLISE PARA COMPREENSÃO DOS FENÔMENOS


            A teoria deve ter por exercício desenvolver o pensamento, esclarecer o que permaneça duvidoso, apontando caminhos para a indagação dos problemas. Compreender o universo que nos cerca é a maneira de traçar propostas para que o sistema de ideias se auto-alimentem.
            Refletir sobre a Comunicação (Meta Comunicação) permite a comunicação e traz a transformação, transformação necessária, urgente, de mudarmos, antes de tudo, a nós mesmos.
         Qual é esse sistema de idéias que, governando nosso sistema de comunicação, nos aponta este ou aquele caminho? Por que recusamos determinados apelos, quando nos sentimos impulsionados a agir numa tal direção? Por que nossa vida consiste em ordenar o desordenado, em colocar cabresto nesse turbilhão da alma, em buscar saber, distinguir, relacionar, conhecer? Por que esse mesmo sentimento guarda em si a transgressão as normas, a entrega irremediável às paixões, o desinteresse do saber, a confusão, o isolamento, o desconhecimento? Para onde caminham nossas ideias?
            A ideia supera o real. É com ela que, inevitavelmente, convivemos.
          Compreender que a representação tem sido a forma de nos comunicarmos e que só nos conhecemos através de representações, nos leva a crer que tudo o que somos é a materialização de algo espiritual, ou a representação de uma ideia, de um sistema de ideias, de ideias de outros. Sendo assim, se estamos aqui é porque também somos uma representação. Os espíritas diriam que somos a encarnação de um espírito. Os católicos, o corpo material de uma alma. De qualquer forma, a comunicação provou  que é através da representação que nos comunicamos, ou seja, realizamos o processo: referente – representamen – interpretante. Levou dois mil anos para descobrir o que Deus nasceu sabendo. E nossas indagações continuam: somos uma representação (ou representamen). Mas quem somos nós? Temos um referente a quem constantemente remetemos. Mas quem é ele? Não serão eles? Geramos um interpretante: um signo equivalente ou melhor elaborado. Mas como nossos amigos nos vêem? Como pensam que somos? O que desejam de nós?
           Bidus e gurus à parte, somos o que acreditamos ser, pois assim nos vemos. Defendemos nossas ideias porque acreditamos serem estas nós mesmos. É nosso lado animal: instinto de preservação e defesa.
        No entanto, esse discurso de defesa, de nos prendermos a determinadas convicções, nos fecha a idéias novas, nos leva a degradação do sistema que acreditamos. Os elementos exteriores é que tornam possível o enriquecimento do nosso campo de idéias. Todavia é necessário cuidado para que esse campo não seja minado, para que os dados exteriores não destruam o nosso sistema de ideias, para que a abertura a novas informações não se constituam em doutrinações.
            As ideias, que tendem a incorporar-se a nós, fazem parte do que somos e, por vezes, ocupam o lugar do que somos.
      As experiências que vivemos, aquelas que vivemos através dos outros, incorporam-se a nós como fatos de nossas vidas. Estas experiências invocamos como nossas, deixamos que elas se apropriem de nós. Nosso pensamento mistura-se ao de nossos semelhantes, nos aglutinamos por proximidades.Talvez seja essa a legião infindável que habita o cosmos e que permeia nosso estar aqui. O que nos faz estar mais perto de um que de outros? Por que esses nos são mais caros que aqueles? Por que verdadeiros encontros casuais nos colocam ao lado de pessoas que jamais supúnhamos encontrar? O que explica o descaso e o fascínio, o amor e o ódio, a distância e o encontro?
            São nossas idéias o que somos e o que nos falta ser. Os opostos com os quais convivemos: a Bela colhendo flores no Jardim, a Fera se escondendo no Castelo.
            Almas gêmeas, nossas semelhantes, são as idéias parte do que temos dentro de nós: um animal acordado e um anjo dormindo. É certo que devemos acariciar o animal. Também é certo que devemos despertar o anjo. Resta saber a quantas andam nossas doses de carícias e habilidades para despertar. Resta saber se nos preparamos para isso.


             Lúcia da Silva Gomes (direitos reservados - texto escrito aos 34 anos) 




                                                                                                                                        
Foto: Lúcia Gomes
Museu do Açude
















       

           

quarta-feira, 17 de julho de 2019

BEM VINDOS AO FACEBOOK - A ERA DE NARCISO


                                    

                                           BEM VINDOS AO FACEBOOK                                            

                                                    A ERA DE NARCISO 
            
       


         Diante do espelho a mulher puxa cada fio delicado das sobrancelhas. Um a um delineia a curvatura da expressão: lápis, rímel, luzes nas pálpebras. A boca assume um ar delicado de faces ruborizadas. As ondas suaves ondulam para além do gramado. Linda! Pensa consigo mesma. Estica o braço, faz um beicinho sensual e clica: a própria imagem é refletida.
            A exposição durará apenas alguns segundos. Curtidas, ameis, carinhas sorridentes. Ri feliz. Todo espelho agora é mágico a dizer: ninguém é mais bonita que você! As páginas correm rapidamente, diferentes das de um livro. 
          Não há tempo para deter-se a detalhes. Apreciar toda a produção, também não. Algo novo. Algo novo. Repete quase enlouquecida pela paixão. Coloca o celular ao lado.
       Diante do espelho o homem repara nas rugas de anos: sulcos fundos da vida desregrada. Besunta o rosto de espuma e passa o barbeador descartável. Sim: outros tempos. A navalha do bom barbeiro custa caro para o bolso. A boca esboça um sorriso malicioso. As ondas ondulam suaves para além do gramado. Viril! Pensa consigo mesmo. Estica o braço, ri sem mostrar os dentes e clica: a própria imagem é refletida.
            A exposição durará várias fotos postadas imbox. Curtidas, ameis, carinhas sorridentes. Ri sarcástico! Todas se encantarão com a mágica: Bom dia! Lindo! Gato! 
       Não há tempo para deter-se a detalhes. Precisa satisfazer a própria vaidade.Convencer a todas da mentira que inventou para si mesmo e acredita. Precisa de uma mulher qualquer, um homem qualquer, qualquer coisa que afogue o fracasso de anos. Engana a todos e se diverte. Você não perguntou: a resposta está na ponta da língua. Coloca o celular ao lado.
            As águas chamam: vem, vem, vem. Como resistir ao apelo insaciável dos tempos de solidão:relações afetivas descartáveis, amigos virtuais descartáveis, grupos descartáveis, abraços descartáveis? Nem os rios e os mares suportam mais tanto lixo.
            Pela manhã, a toalha xadrez estará sobre a mesa. Café, leite, pão quente, manteiga, queijo, salame, bolo de maçãs com castanhas. O real ali pouco interessa. Tão pouco as mãos delicadas a servir carinhosamente o desjejum. Mães, esposas, avós: espécies em extinção.
            Ao anoitecer, o homem chegará cansado do trabalho. A toalha bordada sobre a mesa. O jantar servido quente. O salário distribuído para as despesas, guardado com cuidado. O real ali pouco interessa. Tão pouco as mãos firmes a entrelaçar carinhosamente o perfume no lençol de linho. Pais, maridos, avôs: espécies em extinção.
            O dedo nervoso esfrega o celular freneticamente. O aparelho tem um orgasmo múltiplo. O esperma, tal qual uma espuma tóxica,polui as nascentes.Do outro lado a mulher passa o batom na vagina.

      
                   (Lúcia Gomes - fragmento de texto)


Foto: Lúcia Gomes
Bairro: Cidade Nova



terça-feira, 16 de julho de 2019

ESTAÇÕES

                                                      ESTAÇÕES


 Quem sou meio a tempestade a jogar borrascas na janela, embaçando os vidros                                                                                     quadriculados e as mesmas flores?

Sou água a diluir-se no riacho do peitoril: mistura de essência de cores.

Quisera voltar à outrora onde minha vida era uma eterna primavera e eu acreditava em                                                                                                                                      verões.                                                                                                    
Hoje o inverno congela meus pés, tropeço no ar e desabo diante da gargalhada                                                                                                                                         alheia.




Foto: Lúcia Gomes