flor da cana do brejo

quarta-feira, 8 de julho de 2020

MAIS UM NÃO ANIVERSÁRIO

             




                                                   MAIS UM NÃO ANIVERSÁRIO


            Rio, 31 de janeiro de 2020
            Pedro, meu filho

            Ouvi muitas pessoas dizerem que o que desaparece primeiro, quando alguém parte é o som da voz. Devo ter ouvidos apurados: tua voz é clara como uma manhã de sol na Serra da Mantiqueira. O céu é de um azul inigualável. Ainda te ouço. Ouço teus amigos nas vezes em que vinham aqui e que, agora, viraram a página. “A vida segue”.
            No entanto, eu estou na janela, debruçada sobre os nossos sonhos a procurar alguma flor, uma borboleta, um filhote de sabiá que caiu do ninho: tudo é tua presença. Nosso quintal pequeno, o jardim secreto, como vocês brincavam, continua a florir e esperar. Eu também espero florir um dia.
            A oração na missa, que sempre peço para rezar por ti, foi linda. São Pedro sempre é lembrado nas escrituras. Reflito como a missão dele foi difícil. Como ser “pescador de homens” num mundo onde as pessoas agem pior que animais? No entanto, aprendi a andar sobre as águas. Deves gostar de ver como sou leve: pluma solta na brisa da manhã.
            A bênção da chuva veio e finalmente as plantas respiram. Gosto do cheiro da terra molhada. Tua cachorrinha já não está comigo a dormir na porta vigiando o amanhã. Espero que esteja contigo. Sempre fugia da minha cama quando assobiavas para chamá-la para a tua. Frequentou o Baixo Gávea, antes daquilo virar uma loucura. Eu alertava: ela é “de menor”. Você ria.Será que um dia haverá um amanhã de crianças brincando na rua, de casas sem grades, de amigos verdadeiros. Saudade da Gávea da minha infância. Sei que a natureza sorrirá em meu lugar. É uma forma de refletir os meus lábios.
            Aprendi tanto contigo, meu Pedro. O teu jeito de ser, o verdadeiro, o guardavas para mim. Jamais tornarei público teus segredos. Apenas quero que saibas que mantive o respeito por tudo. Fica entre nós. Meu coração se enche de ternura, meu filho e meu maior amigo.
            Tua presença deixa as marcas até no que desaparece. O bolo de brigadeiro, presente em todos os seus aniversários, ninguém pode mais saborear: A Chaika fechou as portas. Ipanema vai mudando. As ilhas Cagarras continuam lá. Fotografo para você. Os tatuís sumiram e a água fede, até a do mar.
            Trinta e sete anos. Segui pela rua sob a as gotas que anunciavam o temporal. Inevitável pensar: meu filho chora? Entrei em casa, fechei a porta e o céu desabou inundando tudo. Observo cada detalhe, cada sinal. Ao escrever para ti a luz apagou. Acendi a vela.
            O lume desenhava sombras na parede. Lembrei do teu sorriso, quando com as mãos eu projetava desenhos. Olha a borboleta, mamãe. A noite encheu a parede de histórias.
            

            Feliz aniversário, meu filho.
            Eu te amo, Pedro
            Saudades, mamãe






Pedro Gomes
Foto: arquivo de família