MARCO DA SESMARIA DA PEDRA DE GUARATIBA
flor da cana do brejo
domingo, 17 de março de 2019
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019
POEMA DO ENCONTRO
Poema do Encontro
a tua voz que eu amo sem conhecer
e as tuas palavras que não esqueço.
Chega até mim para que tuas palavras
não embaciem o vidro da memória
nem o espelho triste dos meus olhos.
Chega com teus lábios cujo beijo sonhei
a beira mar vestida apenas de névoa
e traz contido a maré da manhã
com que todos os viajantes sonham.
(Lúcia Gomes - direitos reservados)
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Foto: Lúcia Gomes |
sábado, 26 de janeiro de 2019
BEM VINDOS AO FACEBOOK
BEM VINDOS AO FACEBOOK
O lugar onde as pessoas o adicionam como amigo sem saber quem és. O que não importa muito, já que a verdadeira intenção é curtir, comentar e conversar imbox, de preferência escondido. Os amigos passam a viver dentro de uma caixa e não veem mais o mundo a sua volta. Os amigos do "bom dia" passam na rua sem cumprimentá-lo. Andam como zumbis, o rosto grudado no celular. O tempo passa velozmente, o feijão queima, o leite derrama, o cotidiano vira uma miragem.
Onde os relacionamentos são perfeitos, romances se iniciam, casamentos são abalados, mulheres caçam homens, homens caçam mulheres, e, tolos, acreditam que estão dizendo a verdade. Aqui todos vivem no cio e uivam madrugada a dentro. O livro de faces é uma ilusão.Quando o nome não é falso, a foto de perfil é falsa, os dois são falsos ou a pessoa atrás da tela é falsa. Todos sorriem para selfies e, quem vê, inveja o sorriso ensaiado.
Aqui, seus inimigos visitam seu perfil constantemente. Familiares não aceitam a sua amizade ou se metem na sua vida: escancarada como uma janela num dia de calor. Muitos o bloqueiam porque somos todos descartáveis após sermos usados, copo cheio de mosca, lixo jogado na lata.
A vaidade impera e o espelho mágico está sempre dizendo que ninguém é mais belo que você. A maçã envenenada é servida no café da manhã, no almoço e no jantar. Mesmo que tentes fugir para a floresta todos estão teclando e terás por companhia a mata, os pássaros e o barulho do riacho. O que não é de todo mal. O mal já foi feito ao enclausurarem todos numa caixa a se multiplicarem como baratas tontas sem rumo e afundados na dor.
(Lúcia Gomes - fragmento de texto)
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Pássaro: Sanhaço Paraty - Estrada Real Foto: Lúcia Gomes |
segunda-feira, 26 de novembro de 2018
Manhã de Inverno
Manhã de inverno
Meu passado habita sobre a vida:
telhados debruçados nas janelas,
os contornos desenhados pela luz
nessa manhã de inverno.
telhados debruçados nas janelas,
os contornos desenhados pela luz
nessa manhã de inverno.
Caminho passo a passo sem ter pressa.
Fincar os pés no presente, tal qual estacas firmes,
nem a brisa balança as asas do sanhaço no galho.
Não nego os rastros:
olhar o percurso é aprendizado.
nem a brisa balança as asas do sanhaço no galho.
Não nego os rastros:
olhar o percurso é aprendizado.
O futuro é hoje mesmo.
O cheiro do café nas manhãs,
o pássaro banhando-se nas bromélias,
o cachorrinho deitado na soleira,
o sol de primavera.
o pássaro banhando-se nas bromélias,
o cachorrinho deitado na soleira,
o sol de primavera.
Escrever é florir:
Palavras perfumadas com minhas mãos,
guardadas com carinho no caderno
a espera de que o abras, cada fio de cabelo entre teus dedos,
o rosto a sonhar em teu peito, folhas ganhando asas.
guardadas com carinho no caderno
a espera de que o abras, cada fio de cabelo entre teus dedos,
o rosto a sonhar em teu peito, folhas ganhando asas.
(Lúcia Gomes - direitos reservados)
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Rua das Flores - Paraty Foto: Lúcia Gomes |
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
PALAVRAS CRUZADAS
Palavras Cruzadas
Vamos
escrever a nossa historia, enquanto ainda vive na memoria?
Ah,
não me falem de rimas pobres. Essa não é a questão, de novo não.
Li
o e-mail a indagar-me o porquê de tal proposta. Escrever dizem ser um ato
solitario. O mundo está cheio de mentiras. Meus personagens me atazanam as
ideias e falam mais do que eu.
Quatro
mãos juntas ao piano a dedilhar uma canção nova para cantarmos nos momentos de
silencio e quebrarmos a rotina. Minhas duas mãos poderão tocar as suas. É quase
inevitavel. Nesse momento nossas palavras entrelaçadas soariam a mesma nota: um
sol qualquer. Nossos risos esbarrariam no calor dos labios. Possivelmente todos
os teclados tocariam ao mesmo tempo a nossa música.
Posso até ouvir meu coração acelerado,você de maestro
a reger. Não sei como realizar tal proposta separados pela tecnologia a
furtar-me o que mais preciso: o roçar dos seus braços nos meus. Também esse
cheiro que não me pertence e muda o ar do quarto. Ou as mãos, uma sobre a
outra,os dedos apertados a segurar para que não partam. Bom esse aconchego. A
certeza, mesmo que provisoria, da sua proteção. O calor que sobe pelo braço e
arrepia o pescoço. Suspendo o ombro, reviro as costas, sei que você vai afastar
os meus cabelos castanhos e longos a divertir-se com o meu riso: Assim não
vale! Você já saberia a resposta e riria do lugar comum. O comum, às
vezes, é tão melhor.
Bom
e gostoso. Coloquei o capuccino fumegante na caneca de cerâmica. As mãos quentinhas
desacostumadas a esse inverno. Encostei-me na porta da cozinha a olhar as
maitacas empoleiradas nas telhas. Um bando inteiro. A empregada da vizinha
gritava: “Milagre! Milagre! Só pode ser um sinal de Deus.” Lindas de fato. O
seu cantar é atraente: todas ao mesmo tempo num delirio humano de deixa eu
terminar de falar. Procurava aprender com elas.Um trinado em conjunto.
Arruaça logo de manhã. Eu o empurrava para lá dizendo Pára, agora não, deixa eu
espreguiçar-me. Você com essa mania de alongar-me e eu, doida para ficar
agarrada ao travesseiro, puxava o lençol para cobrir-me. Inútil: queda de braço
vencida.
Você
venceu. Dei-me por vencida. Sei lá. Pouco importa. Agora minha boca tem gosto
de chocolate, afrodisíaco natural, acalma, esquenta, abraço apertado gostoso.
Assim, aquecida, fica mais fácil entender o seu desejo. Gosto de aceitar
desafios. Como faremos? Não diga. Será mais divertido procurarmos juntos o
caminho. Eu reparo até nas nuances dos tons de verde das folhas. O que mais
chama a atenção é a riqueza de detalhes. Isso é observação sua, não minha.
Talvez. A você falta certas sutilezas com as palavras. Certa vez confessou-me
isso, sem segredo, apenas um sou assim. Teremos que encontrar harmonia
nas nossas diferenças. A tampa certa da panela. Qualquer coisa que dê samba ou
outro ritmo. O seu caminhar é ligeiro. Gosto de parar e aspirar a brisa. Assim
vamos acertando os passos. O descompasso não combina com a gente.
Nossos
passos se encontraram de uma maneira tão engraçada. Não posso dizer que
tropecei em você. Marcamos um encontro: isso sim. Primeiro deixamos a escrita
aproximar-nos. Depois a troca de olhares numa manhã ensolarada. Eu desviando a
atenção para o mar, falando de barcos navios, caravelas. Quase contei a
Descoberta do Brasil por inteiro, com todos os detalhes, incluindo a receita
indígena de como assar um português. Que pânico! Você me encarando e
rindo. Daí vieram suas historias. Eu as ouvi, mesmo as que não contou. Sei
serenar a alma, ficar em silencio, calma, só para ver o que me escondes, só
para ler o que não escreves, só para perceber os gestos.
Que
gesto é esse? Os braços cruzados, os olhos controlando quem sai e entra de um
lugar público. Estava tão escuro. O filme não havia começado. O barulho do
amendoim misturado aos ruidosos passos procurando lugares. Trancado no seu
mundo, só via além. Os vultos misturados aos risos pareciam não pertencer a
nossa historia. Nem que eu estivesse no seu colo você perceberia a minha
presença. Senti-me tão sozinha aquele dia. Será que você percebeu? Que
pensamento passa nos seus olhos?
Meus
olhos espiam o seu jeito: doce, serio,companheiro,distante, o encontro no
desencontro. Você sapecou um beijo quando eu menos esperava e fiquei ruborizada. Ainda possuo essas graças:
coisa de menina. Acenei sem jeito. Não olhei para trás. O metrô em velocidade
sacudia todas as minhas ideias. Sua boca ainda seguia comigo. Os labios
quentes. As mãos geladas. Entrei na rua onde moro. Protegida pelas frondosas
árvores podia esconder-me de mim. A pashimina lilás, que tanto gosto,
envolvia-me no abraço ausente. O barulho da chave destrancava a porta. Agora as
portas se abriam e eu precisava dar-lhe uma resposta.
Minhas
mãos atenderão a seu desejo. Junto com as suas teclaremos a nossa historia.
Abandonei-me em seus abraços, repousando minha cabeça de
cansaços, para que nesta madrugada, de chuvas espirrando na janela, eu possa
adormecer, acolhida em seus braços. E se seus dedos entreabrem os meus labios,
buscando palavras ali guardadas, a buscá-las entre a língua repousada,
entrelaçando-as numa só linguagem; eu me deleito em deixar-me aquecida, assim
coberta pela mão querida, que me governa e me desgoverna, permitindo-me falar
pelos sentidos.
domingo, 5 de junho de 2016
Malhas
Na noite a sobressair-se em nuvens,
pingos leves no telhado,
sinto saudade dos barcos
de papel da minha infância.
Sinto saudade sim
de apostarmos corrida
e comemorarmos a vitoria
no final do meio fio.
As árvores,as pedras da rua,
as raízes quebrando a calçada,
a água empoçada nos buracos:
recreio da criançada.
Hoje os vidros molhados,
a cortina escondendo a mata,
navego por entre os fios
da malha do meu xale.
pingos leves no telhado,
sinto saudade dos barcos
de papel da minha infância.
Sinto saudade sim
de apostarmos corrida
e comemorarmos a vitoria
no final do meio fio.
As árvores,as pedras da rua,
as raízes quebrando a calçada,
a água empoçada nos buracos:
recreio da criançada.
Hoje os vidros molhados,
a cortina escondendo a mata,
navego por entre os fios
da malha do meu xale.
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Foto: Lúcia Gomes |
sexta-feira, 25 de dezembro de 2015
O PRATO VAZIO
O prato vazio
“O poente que não
cicatriza
ainda fere a tarde.”
Jorge
Luis Borges
Naquele
Natal sentamos os três diante da mesa. Não uma ceia de costume: apenas pães,
pastas, frutas. Os olhos baixos, diante da cadeira vazia. Como recomeçar?
Erguer as taças lilases pela felicidade? Qual? Um esforço acima das nossas
forças nos fazia estar ali, sentados, olhando para o nada. Os olhos não se
cruzavam e nenhum sorriso estamparia qualquer alegria. Estávamos sem jeito.
Aquilo nos incomodava. Uma cena faltando personagem. A história impossível
escrevê-la novamente.
Não
coloca a taça na mesa antes de fazer o pedido! Um viva a nós! Pela alegria da
gente! Muita grana! Paz! Toca aqui! Toca aqui! Toca aqui! Toca aqui! Uau!!!
Foi. Finalmente vamos comer. Passa para cá a salada. Deixa que eu corto o peru,
mãe. Você quer o peito? O feijão fradinho, por favor. Acorda, cara! Passa para
cá as batatas. Desliga a televisão. Ah, não, deixa ligada. O cachorro pegou a
rúcula. Mãe, ele come rúcula? É o único cachorro do mundo que come rúcula.
Ihhhh....a pequena virou o refigerante no chão.Não importa. Pega o pano lá
área. Gente, hoje é festa, não se esquenta. Pô, essa comida tá boa
demais.Ninguém faz comida como a minha mãe.
Quando as lágrimas do meu filho começaram a cair no
prato, ele correu para o banheiro. Ficamos mudas. Chorava compulsivamente, as
lágrimas pingando escorriam junto com a água da torneira. Um rio se formava
pela casa a inundar nossas almas. Um grito sufocado entrava pelo corpo a querer
explodir. Ele trancou-se no quarto, cobriu o rosto com o lençol. Não quiz mais
falar. Inútil chamá-lo. Um esforço
enorme tal pedido. Todos queríamos nos enfiar nas cobertas e não acordarmos
nunca mais. Um flagrante havia provocado tal reação: minha filha colocou a
máquina fotográfica no automático. Pressenti que aquilo não era uma boa ideia,
mas não quis intervir. Coloquei-me em pé no lugar do foco. Ela chamou o irmão.
Ele veio. Ficou ao meu lado. Ela acionou a máquina. O irmão havia sumido. A água já fazia barulho no
banheiro.
Gente,
bolo de brigadeiro é demais. Você fez mousse de chocolate também? Adoro essa
torta de limão. Ai, não quero engordar. Depois do Natal emagrece. Que nada!
Depois tem o almoço de Natal. Receita especial: javiontem. Háháhá!!! Pior é ter
que comer o peru uma semana. Tem vez que você gosta. Eu vou entupir sua boca de
farofa. Tranquilo, depois vira salada de peru ao molho qualquer coisa. Sempre é
deliciosa. Não vende peru menor, mãe? Aqui em casa só tem peru grande, não é
não, irmão? Diminue o vinho. Minha mãe compra um vinho “Periquita” e não pode
falar bobagem. Besteira diverte a vida, mãe. Dá um abraço. Está tudo uma
delícia. Você é linda.
Os presentes estavam na árvore. Minha filha desolada
não sabia o que fazer. Ela havia enfeitado toda a casa sozinha. Pediu se podia.
Deixei. Enfeitou. Eu não teria forças. Aquilo era maior do que eu. Também
providenciou toda a ceia. Pedi apenas que fôsse diferente: algo mais simples. Não havia clima para comemoração. Comprou
presente para todos. Eu dei dinheiro para que os dois escolhessem o que
quisessem. Meu filho não saía do quarto. Continuava na cama, chorando. Pedi que
ele voltasse, pela irmã. Ele não quis. Sentei no sofá. Como ser fortaleza
diante de uma dor imensa? Eu via os peixes na rede e esta se rompendo. Eu não
conseguiria segurá-los. Eles se debatiam como a lutar pela vida, agonizando
diante da morte.
Eles
estavam encantados com os presentes. Eu havia comprado varias coisas durante o
ano.
Roupas para as férias,
perfumes, pequenos mimos e sempre um presente especial. Gostava da árvore
repleta. Um pilha no sapato de cada um. Desde que os cachorros começaram a
fazer parte das nossas vidas, duas cestas com biscoito, ossinhos e bolinhas de
couro comestível eram colocadas na árvore. Só podia abrir no dia seguinte, como
quando crianças. Naquele ano organizaram um amigo oculto para fazer bagunça e
abrir esse presente no dia. As adivinhações eram óbvias para uma família
pequena em tamanho e imensa em amor. A minha amiga oculta trabalha muiiiiito.
Eu ria. O meu amigo oculto entrou no mestrado de . . . jornalismo!!!! O caçula
ria. O meu amigo oculto vai salvar o planeta! Pô, você comprou uma coisa muito
cara. Ria sem graça e dizendo obrigado. A minha amiga oculta tá na hora de
casar e deixar o quarto para mim. Nem vem. A menina ria agradecida.
Naquele ano de 2007 encerrou-se o Natal para nós.
Nunca mais enfeitou-se uma árvore. Nunca mais colocou-se um adorno na porta.
Nunca mais fez-se uma ceia. As estrelas haviam parado de brilhar no nosso céu.
Tudo o que tinha o tom de azul nos olhava com lágrimas nos olhos. A vida do meu
filho caçula nos tinha sido roubada sem explicações.
O
burburinho das lojas tornou-se um trânsito engarrafado. Vontade de descer do ônibus
e sair correndo para nunca mais voltar. A compulsão de compras equilibrava em
braços alheios a nossa total inapetência natalina. As ruas enfeitadas ficaram
horríveis. Os prédios com pisca-pisca pareciam mais a entrada de um motel de
beira de estrada. O horror do Natal se desnudava junto com a nossa tragédia.
Nos olhávamos em silêncio e íamos cada
qual para o seu quarto. Na mesa, apenas uma toalha branca com a nossa
fotografia.
A cama vazia espiava. Triste, solitária, sem o calor
do dono. A casa ficando grande, do tamanho do silêncio. Cada um contruiu um
casulo. Todos os dias tecíamos nosso envólucro, onde permaneceríamos por
anos.
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Foto: Vitoria Mitisuyo Wada |
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