flor da cana do brejo

sexta-feira, 25 de novembro de 2011


Foto: Vitória Mitsuyo Wada


Estranho,depois do temporal,a corrida desenfreada pela rua,
o guarda-chuva empinado pelo vento, eu encharcada por dentro.
Agora, essa brisa noturna com cheiro de mato e terra úmida,
flores por abrir no amanhecer, mudanças por saber.
Depois não sei o que farei diante da vida a multiplicar-se em
folhas, minhocas, caprichos e os pés com bolhas do sapato novo.
Tudo isso por você.
Meu amor só existe porque vivo assim: a procurar-te
em cada gesto meu, no pentear os cabelos, escolher o vestido,
perfumar-me e rir para o espelho,onde os teus olhos espiam os meus.



 

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Flores do quintal de casa
Foto: Cyda Olimpio
Minha mão dói ao digitar versos
de alegrias sonhadas em manhãs
ao despertar com sorrisos
e mãos pequenas a chamar-me.

Mãos acariciando filhos,
preparando o leite, arrumando mochilas,
vestindo os uniformes,
penteando cabelos finos.

Dói escrever versos dormentes
com os dedos insensiveis
a minha sensibilidade
ao lembrar-me do antes:

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Pensei que ia chover
Vento encanado batendo nas roupas,
frio da noite virando madrugada,
barulhos de latidos, televisões altas.

Pensei.

Agora, roupas dobradas e guardadas,
folhas a dobrar-se lentas,
as cobertas aquecendo o leito,
cachorros dormindo, luz em silencio

Agora.

Poucas coisas me restam:
o livro sendo lido a emendar-se em outro,
a ausencia das horas e relogios
a obrigação de esperar o amanhecer.

Poucas coisas.



Meu cachorrinho 

Minha cachorrinha









Hoje é finados
Findados os tempos
Pedro e a sua cachorrinha
Os dias pararam
No meu desalento

Não viro as páginas
Do meu calendário
Acabaram-se as datas
Do tempo diário 

Parada no quarto 
Olhando para o teto
Vejo a aranha
Comendo um inseto

Viro para o lado
Uma traça traduz
O casulo que guarda
O que em mim ainda é Luz

Recosto a cabeça
A cachorra esprequiça
Minhas lágrimas descem
Seu pêlo umidecem

Meus olhos são duas tinas
Saciariam a sede de um deserto


domingo, 9 de outubro de 2011

BALADA DA MÃE SOBRE O FILHO MORTO

Quando o telefone toca,noite avançada,madrugada acesa,
meu coração dispara,relogio gritando as horas,sirene de bombeiro.
Inevitável derrubar o telefone no chão,perder a sensibilidade das mãos,
pisar em falso,tropeçar no cachorro,lutar com as cobertas.
Somos quatro eternamente,três capengas e um ausente.
Na toalha sobre a mesa, falta um prato para sempre.

Quando a campainha toca,a voz não se identifica,a resposta não se faz,
o silencio precipita. Meu coração dispara,atemporal,sofrido.
Quem bate e não anuncia a chegada da alegria?
Qual dos filhos é que que grita a ausencia do irmão perdido?
Somos quatro eternamente,três capengas e um ausente.
Na toalha sobre a mesa, falta um prato para sempre.

Quando um abraço me envolve,dedos aparam-me o choro,
sei que o tempo só piora,cava um buraco na alma,
a dor busca um lugar pra se esconder sem demora.
A mãe,a irmã, o irmão perderam o caminho de volta.
Somos quatro eternamente, três capengas e um ausente.
Na toalha sobre a mesa falta um prato para sempre.


Lúcia, Mariana, Bernardo e Pedro
Natal de 2006

sábado, 8 de outubro de 2011

Foto tirada pelo meu filho Pedro
flores da Argentina
Entre a vassoura que varre:
nuvens de pelo no chão,
traças que entram nas frestas,
machucados nas mãos,

Há sempre o pó acumulado
junto do meu coração.

Tempos de espera
marcados nas páginas
do meu caderno,
folhas que viram eternas,

Há sempre um verso guardado
junto a uma flor apanhada.

Colho flores no caminho,
coloco-as entre as folhas
das páginas do caderno
tudo fica amarelo:

Há sempre no meu caderno
flores-versos-eternos
As palavras embaralhadas na chuva da noite,
molharam o caderno, o risco do lápis,
restando um grafite como paisagem.

A mão passou a desenhar o verso,
os dedos sobre o papel,
riscando borrões, detalhes sombreados.

A luz dos desenhos refletia a borrasca
nas vidraças das janelas do quarto:
lágrimas derramadas das nuvens.
Foto tirada por Pedro, meu filho

Meus olhos espiam o céu
esperando clarear o dia:
manhã azul me espia.