MAIS UM NÃO ANIVERSÁRIO
Rio, 31 de janeiro de 2020
Pedro, meu filho
Ouvi muitas pessoas dizerem que o que desaparece
primeiro, quando alguém parte é o som da voz. Devo ter ouvidos apurados: tua
voz é clara como uma manhã de sol na Serra da Mantiqueira. O céu é de um azul
inigualável. Ainda te ouço. Ouço teus amigos nas vezes em que vinham aqui e
que, agora, viraram a página. “A vida segue”.
No entanto, eu estou na janela, debruçada sobre os nossos
sonhos a procurar alguma flor, uma borboleta, um filhote de sabiá que caiu do
ninho: tudo é tua presença. Nosso quintal pequeno, o jardim secreto, como vocês
brincavam, continua a florir e esperar. Eu também espero florir um dia.
A oração na missa, que sempre peço para rezar por ti, foi
linda. São Pedro sempre é lembrado nas escrituras. Reflito como a missão dele
foi difícil. Como ser “pescador de homens” num mundo onde as pessoas agem pior
que animais? No entanto, aprendi a andar sobre as águas. Deves gostar de ver
como sou leve: pluma solta na brisa da manhã.
A bênção da chuva veio e finalmente as plantas respiram.
Gosto do cheiro da terra molhada. Tua cachorrinha já não está comigo a dormir
na porta vigiando o amanhã. Espero que esteja contigo. Sempre fugia da minha
cama quando assobiavas para chamá-la para a tua. Frequentou o Baixo Gávea,
antes daquilo virar uma loucura. Eu alertava: ela é “de menor”. Você ria.Será
que um dia haverá um amanhã de crianças brincando na rua, de casas sem grades,
de amigos verdadeiros. Saudade da Gávea da minha infância. Sei que a natureza
sorrirá em meu lugar. É uma forma de refletir os meus lábios.
Aprendi tanto contigo, meu Pedro. O teu jeito de ser, o
verdadeiro, o guardavas para mim. Jamais tornarei público teus segredos. Apenas
quero que saibas que mantive o respeito por tudo. Fica entre nós. Meu coração
se enche de ternura, meu filho e meu maior amigo.
Tua presença deixa as marcas até no que desaparece. O
bolo de brigadeiro, presente em todos os seus aniversários, ninguém pode mais
saborear: A Chaika fechou as portas. Ipanema vai mudando. As ilhas Cagarras
continuam lá. Fotografo para você. Os tatuís sumiram e a água fede, até a do
mar.
Trinta e sete anos. Segui pela rua sob a as gotas que
anunciavam o temporal. Inevitável pensar: meu filho chora? Entrei em casa,
fechei a porta e o céu desabou inundando tudo. Observo cada detalhe, cada sinal.
Ao escrever para ti a luz apagou. Acendi a vela.
O lume desenhava sombras na parede. Lembrei do teu
sorriso, quando com as mãos eu projetava desenhos. Olha a borboleta, mamãe. A
noite encheu a parede de histórias.
Feliz aniversário, meu filho.
Eu te amo, Pedro
Saudades, mamãe
Pedro Gomes Foto: arquivo de família |