AUSÊNCIAS
Rio de Janeiro, 25 de
dezembro de 2010
É Natal. Nos lares as árvores
cintilam , adultos e crianças abrem presentes, risadas são ouvidas
no burburinho da sala. Não aqui. O silêncio acompanha o piado dos
pássaros na árvore: quebrada eu a reconstruí com orquídeas,
samambaias e ninhos que admirei em manhãs claras, serenas.
Já é tão tarde que na cama
as crianças se recolhem esperando as chaminés da Europa, onde um
presente cairá sem ser queimado pela lareira. Um presente esperto,
capaz de saltar o fogo. Eu não penso em lareiras, nem em neves, tão
pouco em presentes. Só sinto a ausência que se faz: cruel como o
falar entre dentes.
Hoje, aqui com meus cachorros,
a escutar o vozerio das matas da Gávea, sei o quanto sou a companhia
que me resta. Anos bordei historias entre risos, coleções de linhas
coloridas, renovadas no tear das minha mãos. Tantas páginas virei,
permeadas de figuras para provocar risadas. Tantos desenhos fiz,
permeados de palavras para encantar as falas. Tantos. Onde estão? Eu
os acho, leio e me espanto de somente eu lembrar-me.
Dizem que tudo isso passará.
Há coisas que não é possível esticar demais: arrebenta ou laceia.
Difícil explicar a quem nunca cuidou do outro. Eu, que pouco olhei
para mim,agora me procuro no que não tenho. Como dói.
Quando eu não derrubo as
coisas, fruto das mãos cansadas, as coisas desabam sobre mim: grito
de lembranças para que eu não esqueça. Por que só eu me lembro?
Por que insistem em passar uma borracha? O papel não ficará branco,
apenas borrado.
É difícil tirar a veste da
alma e desnudar-se diante do improvável. Ninguém espera. Mais fácil
seguir enrolada nas pashiminas indianas a cobrir-me com cores
diversas. Horas há em que envolvo o rosto. Somente os olhos claros,
verdes, a espiar. Inacreditável. Transformo-me em vestes. Meu corpo
não pode ser visto. Minha alma é um segredo sagrado. O céu não
permite revelá-lo. Sinto necessidade de agasalhar-me. Roubaram-me
tudo.
Tudo é estranho. Volto o
olhar para o infinito. Minha vista alcança detalhes. Coisas que vejo
e a ninguém interessa. As pequenas silhuetas me atraem. Contornos:
fios modelam meu olhar. Minha memória carrega muitas vidas. Outras
vidas na minha vida. Multiplico-me em vozes, cheiros, paladares, a
mão que tento alcançar.
Alto é o muro. A escalada
requer mais sabedoria do que cuidado. A hera faz seu trabalho. As
trepadeiras derramam-se sobre as copas das árvores.As flores azuis
colorem o verde.
Ver de perto para crer. Será
possível?
A mesa grande está posta. A
toalha bordada estendida. Os pratos nos locais de cada um. Os
candelabros iluminam:
Ausências
Mariana e Bernardo com sorrisos e beijos Foto: Lúcia Gomes Jardim da Aclimação - São Paulo |