flor da cana do brejo

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

                                                   BEIJOS DE ESPERA

 

Cadê você? Você quer um beijo por telefone? Posso ligar para dar Boa Noite? Estou esperando... Onde você está?

É tão curioso e inusitado começar a corresponder-se com alguém sem nunca ter visto o seu rosto, sem saber o som da sua voz ou o cheiro que emana do seu corpo. Talvez este ar de segredo é que tenha me atraído. Assim, sem perceber, fui me despindo diante de você. Rendi-me e mergulhei no desconhecido sem procurar entender. Engravidei só das intenções, por lhe querer.

Você mexe comigo de uma tal maneira e me toca sem me dar tempo de eu fugir de mim mesma, enfiar-me nos lençóis, cobrir a cabeça, espiá-lo escondida, criança travessa.

Minha querida, você está por aí? Já estou aqui. Beijos de chegança.

Tudo tão novo. Você foi chegando e eu não hesitei. Imediatamente me arrisquei diante desta alegre surpresa. Fui logo respondendo.

Antes que você comece a fazer o interrogatório, lá vai. Estou de bermuda e camiseta regata vermelha. A camisola branca, que você vive falando, não é sensual. Ela tem preguinhas, rendinhas, alcinhas e vai até o joelho. Parece mais camisolinha de criança. Beijos de sem roupa.

Minha anjinha querida, queridíssima, estou reparando que você hoje está mais sensual, mais provocante e provocativa. Você foi logo se antecipando a mim. E se eu quisesse falar de pureza, de religião, do meu possível exílio num monastério, de coisas inocentes como sua camisolinha transparente? Beijos pelados.

As mãos deslizavam rapidamente sobre o teclado. As páginas corriam numa velocidade estonteante. Nos embolávamos na ânsia de falar, de estarmos juntos como podíamos. Nossas palavras se misturavam. Cheguei a ler em você o que havia escrito em mim. Você conseguiu ocupar comigo o mesmo espaço, os mesmos versos, descobrindo-me sem me dar tempo de guardar a minha alma debaixo do travesseiro.

Se eu lhe der tempo, tudo se esvairá. No amor não se dá tempo. Sem antes, nem depois. Você se despe, se mostra doce e inteira. Agora sim, nesse momento posso ver sua alma, pronta para me receber. Saindo agora do forno. Beijos quentes.

Estourou um trovão imenso aqui. O quarto ficou azul.

Você me inspira, um sentimento bom nasce dentro de mim e vem o que de melhor está guardado, flui de maneira leve, minhas mãos e minhas ideias deslizam simplesmente, sem retoques. Por isto eu te amo, porque você chama o meu lado mais belo e eu respondo.

A chuva está caindo. A casa em silêncio. As paredes escutam cúmplices. Apenas nossas palavras sabem o segredo.

Quando o relâmpago espocou cruzando o céu em faíscas, o quarto azul acendeu em respingos de chuva. A luz apagou.

Minhas mãos tateavam a procura do celular no meu colo. Enviei a mensagem.

Tive que parar no meio de um sorriso.

Não tem problema, eu completo.



    (Lúcia Gomes - direitos reservados)

    ( conto escrito em 7/04/2010)


Foto: Lúcia Gomes

    

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário