flor da cana do brejo

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Palavras Cruzadas


Palavras Cruzadas
 
 
                                                                                                   Lúcia Gomes

Vamos escrever a nossa historia, enquanto ainda vive na memoria?

Ah, não me falem de rimas pobres. Essa não é a questão, de novo não.

Li o e-mail a indagar-me o porquê de tal proposta. Escrever dizem ser um ato solitario. O mundo está cheio de mentiras. Meus personagens me atazanam as ideias e falam mais do que eu.

Quatro mãos juntas ao piano a dedilhar uma canção nova para cantarmos nos momentos de silencio e quebrarmos a rotina. Minhas duas mãos poderão tocar as suas. É quase inevitavel. Nesse momento nossas palavras entrelaçadas soariam a mesma nota: um sol qualquer. Nossos risos esbarrariam no calor dos labios. Possivelmente todos os teclados tocariam ao mesmo tempo a nossa música.

Posso até ouvir meu coração acelerado,você de maestro a reger. Não sei como realizar tal proposta separados pela tecnologia a furtar-me o que mais preciso: o roçar dos seus braços nos meus. Também esse cheiro que não me pertence e muda o ar do quarto. Ou as mãos, uma sobre a outra,os dedos apertados a segurar para que não partam. Bom esse aconchego. A certeza, mesmo que provisoria, da sua proteção. O calor que sobe pelo braço e arrepia o pescoço. Suspendo o ombro, reviro as costas, sei que você vai afastar os meus cabelos castanhos e longos a divertir-se com o meu riso: Assim não vale! Você já saberia a resposta e riria do lugar comum. O comum, às vezes, é tão melhor.

Bom e gostoso. Coloquei o capuccino fumegante na caneca de cerâmica. As mãos quentinhas desacostumadas a esse inverno. Encostei-me na porta da cozinha a olhar as maitacas empoleiradas nas telhas. Um bando inteiro. A empregada da vizinha gritava: “Milagre! Milagre! Só pode ser um sinal de Deus.” Lindas de fato. O seu cantar é atraente: todas ao mesmo tempo num delirio humano de deixa eu terminar de falar. Procurava aprender com elas.Um trinado em conjunto. Arruaça logo de manhã. Eu o empurrava para lá dizendo Pára, agora não, deixa eu espreguiçar-me. Você com essa mania de alongar-me e eu, doida para ficar agarrada ao travesseiro, puxava o lençol para cobrir-me. Inútil: queda de braço vencida.

Você venceu. Dei-me por vencida. Sei lá. Pouco importa. Agora minha boca tem gosto de chocolate, afrodisíaco natural, acalma, esquenta, abraço apertado gostoso. Assim, aquecida, fica mais fácil entender o seu desejo. Gosto de aceitar desafios. Como faremos? Não diga. Será mais divertido procurarmos juntos o caminho. Eu reparo até nas nuances dos tons de verde das folhas. O que mais chama a atenção é a riqueza de detalhes. Isso é observação sua, não minha. Talvez. A você falta certas sutilezas com as palavras. Certa vez confessou-me isso, sem segredo, apenas um sou assim. Teremos que encontrar harmonia nas nossas diferenças. A tampa certa da panela. Qualquer coisa que dê samba ou outro ritmo. O seu caminhar é ligeiro. Gosto de parar e aspirar a brisa. Assim vamos acertando os passos. O descompasso não combina com a gente.

Nossos passos se encontraram de uma maneira tão engraçada. Não posso dizer que tropecei em você. Marcamos um encontro: isso sim. Primeiro deixamos a escrita aproximar-nos. Depois a troca de olhares numa manhã ensolarada. Eu desviando a atenção para o mar, falando de barcos navios, caravelas. Quase contei a Descoberta do Brasil por inteiro, com todos os detalhes, incluindo a receita indígena de como assar um português. Que pânico! Você me encarando e rindo. Daí vieram suas historias. Eu as ouvi, mesmo as que não contou. Sei serenar a alma, ficar em silencio, calma, só para ver o que me escondes, só para ler o que não escreves, só para perceber os gestos.

Que gesto é esse? Os braços cruzados, os olhos controlando quem sai e entra de um lugar público. Estava tão escuro. O filme não havia começado. O barulho do amendoim misturado aos ruidosos passos procurando lugares. Trancado no seu mundo, só via além. Os vultos misturados aos risos pareciam não pertencer a nossa historia. Nem que eu estivesse no seu colo você perceberia a minha presença. Senti-me tão sozinha aquele dia. Será que você percebeu? Que pensamento passa nos seus olhos?

Meus olhos espiam o seu jeito: doce, serio,companheiro,distante, o encontro no desencontro. Você sapecou um beijo quando eu menos esperava e fiquei ruborizada. Ainda possuo essas graças: coisa de menina. Acenei sem jeito. Não olhei para trás. O metrô em velocidade sacudia todas as minhas ideias. Sua boca ainda seguia comigo. Os labios quentes. As mãos geladas. Entrei na rua onde moro. Protegida pelas frondosas árvores podia esconder-me de mim. A pashimina lilás, que tanto gosto, envolvia-me no abraço ausente. O barulho da chave destrancava a porta. Agora as portas se abriam e eu precisava dar-lhe uma resposta.

Minhas mãos atenderão a seu desejo. Junto com as suas teclaremos a nossa historia.



Abandonei-me em seus abraços, repousando minha cabeça de cansaços, para que nesta madrugada, de chuvas espirrando na janela, eu possa adormecer, acolhida em seus braços. E se seus dedos entreabrem os meus labios, buscando palavras ali guardadas, a buscá-las entre a língua repousada, entrelaçando-as numa só linguagem; eu me deleito em deixar-me aquecida, assim coberta pela mão querida, que me governa e me desgoverna, permitindo-me falar pelos sentidos.




Foto: Lúcia Gomes
Pontes sobre o mangue 

sábado, 6 de julho de 2013

O Sabiá na Telha

Foto tirada por Lúcia Gomes
Gávea - Rio de Janeiro

 
 


O sabiá ainda canta nas manhãs da nossa casa:
voa, cata sementes, faz ninhos, vigia e espera...

Eu também ainda canto as músicas que tu gostas:
voo, cato o alimento, organizo, vigio e espero...

Agora dei pra criar asas: posso estar em qualquer árvore
 
 


segunda-feira, 18 de março de 2013

POEMAS PARA PEDRO - MEU AMOR (Primeiro Livro)

Quando ando pela PUC
Entre as árvores que estudastes
Vou recitando poemas
Como se nós conversássemos

O que te digo se esvai
Na lembrança da memória
Fraca como as minhas forças
Para suportar tantas dores

Sento nos bancos, respiro
Aspiro os teus estudos
Vejo os jovens seguindo
Cada um no seu mundo

Inutilmente pensavas
Que tinhas muitos amigos
Eles seguem a vida deles
Cada um com o seu umbigo

Só eu guardo tua vela
E o perfume dos jasmins
Se a eternidade existe
É porque ainda vives em mim


Solar Grandjean de Montigny
PUC - Rio de Janeiro
Foto: Lúcia Gomes